A Essência da Poesia
(Pablo Neruda)
Não aprendi nos
livros qualquer receita para a composição de um poema; e não deixarei
impresso, por meu turno, nem sequer um conselho, modo ou estilo para que
os novos poetas recebam de mim alguma gota de suposta sabedoria. Se
narrei neste discurso alguns sucessos do passado, se revivi um nunca
esquecido relato nesta ocasião e neste lugar tão diferentes do sucedido,
é porque durante a minha vida encontrei sempre em alguma parte a
asseveração necessária, a fórmula que me aguardava, não para se
endurecer nas minhas palavras, mas para me explicar a mim próprio.
Encontrei, naquela longa jornada, as doses necessárias para a formação
do poema. Ali me foram dadas as contribuições da terra e da alma. E
penso que a poesia é uma acção passageira ou solene em que entram em
doses medidas a solidão e solidariedade, o sentimento e a acção, a
intimidade da própria pessoa, a intimidade do homem e a revelação
secreta da Natureza. E penso com não menor fé que tudo se apoia - o
homem e a sua sombra, o homem e a sua atitude, o homem e a sua poesia -
numa comunidade cada vez mais extensa, num exercício que integrará para
sempre em nós a realidade e os sonhos, pois assim os une e confunde.E
digo igualmente que não sei, depois de tantos anos, se aquelas lições
que recebi ao cruzar um rio vertiginoso, ao dançar em torno do crânio de
uma vaca, ao banhar os pés na água purificadora das mais elevadas
regiões, digo que não sei se aquilo saía de mim mesmo para se comunicar
depois a muitos outros seres ou era a mensagem que os outros homens me
enviavam como exigência ou embrazamento. Não sei se aquilo o vivi ou
escrevi, não sei se foram verdade ou poesia, transição ou eternidade, os
versos que experimentei naquele momento, as experiências que cantei
mais tarde.
De tudo aquilo, amigos, surge um ensinamento que o poeta deve aprender
dos outros homens. Não há solidão inexpugnável. Todos os caminhos
conduzem ao mesmo ponto: à comunicação do que somos. E é necessário
atravessar a solidão e aspereza, a incomunicação e o silêncio para
chegar ao recinto mágico em que podemos dançar com hesitação ou cantar
com melancolia, mas nessa dança ou nessa canção acham-se consumados os
mais antigos ritos da consciência; da consciência de serem homens e de
acreditarem num destino comum. Pablo Neruda, in "Nasci para Nascer" (Discurso na entrega do Prémio Nobel)